quinta-feira, 4 de junho de 2015

Lojas fecham as portas no Bom Retiro


No maior polo de confecção do país, comerciantes que vendem no atacado e no varejo não resistem à crise. Placas de ‘aluga-se’ ou ‘passo o ponto´ proliferam pelo bairro.

Os sinais de que a crise não seria algo fácil de enfrentar surgiram logo no início do lançamento da coleção outono-inverno. Na semana em que as peças foram expostas nas vitrines, no início de março, as lojas estavam às moscas.

Dois meses depois, em um período em que as vendas de artigos para o frio deveriam estar fervilhando, as lojas de atacado e varejo do bairro do Bom Retiro, o maior polo de confecções do país, localizado na região central de São Paulo, com movimento anual da ordem de R$ 3,5 bilhões, estão em plena liquidação ou simplesmente fechando as portas.

“Estamos praticamente vendendo com prejuízo para ver se entra algum dinheiro no caixa”, afirma Valdenice Pereira da Silva, gerente da Infinite, loja de roupa feminina localizada no coração da Rua José Paulino, a principal rua do bairro.


Tradicionalmente, a liquidação no Bom Retiro ocorre no mês de julho. Neste ano, informa Valdenice, o corte nos preços foi antecipado para o final de abril, antes mesmo do Dia das Mães, o segundo melhor período de vendas para o comércio, depois do Natal.

Diferentemente de anos anteriores, a Infinite não está sozinha. A maioria das lojas das ruas José Paulino, Silva Pinto, Aimores, Anhaia, Júlio Conceição, Professor Lombroso, Rua da Graça anuncia liquidação de até 50% para quem compra no atacado, a especialidade do bairro, e no varejo.

Convidamos um dos mais tradicionais empresários do bairro para percorrer essas ruas, na terça-feira, 26/05, a fazer uma avaliação da situação dos negócios na região, que chega a empregar cerca de 70 mil pessoas diretamente.

“Desde 1963, venho praticamente todos os dias no Bom Retiro. Nunca vi em todo esse tempo tantas placas de ‘aluga-se’ como neste ano. É uma placa atrás da outra”, afirma Stefanos Anastassiadis, 71 anos, sócio-fundador da Controvento, confecção e loja de atacado e varejo de roupas femininas, com sede na Rua dos Italianos.

A história de Stefanos e do irmão Antônio, de origem grega, no bairro começa em 1963, com uma oficina de plissê de saias, montada pelo pai. A empresa possuía mão-de-obra e máquinas especializadas para fazer pregas em peça de vestuário (principalmente, em saias) ou em tecido.

Os serviços se ampliaram, em seguida, para costuras de roupas. Em 1970, os irmãos já estavam preparados e capitalizados para criar a Fé Modas, uma confecção especializada em roupas femininas, batizada com o nome fantasia de Controvento.

“Como não tínhamos nada naquela época, optamos pelo nome Fé porque precisávamos de fé para tocar a vida e os negócios. O nome Controvento surgiu porque prevíamos, já naquela época, que teríamos de andar contra o vento neste país, onde é preciso encarar tudo com sabedoria, como a crise deste ano”, diz Stefanos.

A partir da Controvento, na Rua dos Italianos, Stefanos sai andando para mostrar para a reportagem as lojas que fecharam as portas. “Uma tristeza”. Em todas as ruas do bairro há placas de “aluga-se”. As que possuem mais pontos comerciais vagos estão localizadas, principalmente, as ruas Anhaia, Júlio da Conceição e parte da Rua da Graça.


“Não vou revelar quem são os donos porque ninguém admite que está fechando loja por causa da crise. Isso é péssimo para os negócios. Terça-feira é um dia da semana que o bairro costumava receber lojistas de todos os Estados brasileiros. Era impossível andar por aqui, às terças-feiras, nesta época do ano. Hoje, está cheio de lugar para estacionar”, diz.

O Bom Retiro possui cerca de 1.600 lojas. Chegou a ter 2.200 há cerca de oito anos. Em fevereiro deste ano, havia 160 pontos comerciais fechados no bairro, o dobro do mesmo período do ano passado, segundo levantamento realizado pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro.

“Estávamos acostumados, há quatro ou cinco anos, a começar o ano com cinco a dez lojas fechadas. Geralmente, é um período no qual as lojas fecham para reformas ou mesmo para passar o ponto, uma rotatividade normal. Os números deste ano assustaram”, afirma Kelly Cristina Lopes, secretária executiva da CDL do Bom Retiro.

A Luxo Mix, localizada na Rua Júlio Conceição, exibe a placa “Passo o ponto”. Thaís Lopes, gerente da loja, diz que o proprietário, de origem coreana, decidiu ficar só com a unidade da Rua José Paulino. “As vendas estão fracas e o aluguel está caro”, diz ela. Há dois meses, a loja ao lado que, segundo ela, chamava-se G. Rock, também fechou.

A Triângulo Modas também decidiu ficar com apenas uma loja no bairro, a da José Paulino. Fechou o ponto da Rua da Graça por conta da queda nas vendas e do aluguel alto. Outras lojas que fecharam: Lua Luana (acessórios e bolsas), Colorida (roupas femininas de moda) e Pirulito Mágico (roupas infantis).

A Semine, confecção especializada em atacado de roupas femininas a partir do tamanho 44, que fica na mesma calçada da Luxo Mix, ainda resiste. “Desde o ano passado vem caindo muito o número de lojistas por aqui, devido à queda no consumo”, afirma Eva Tavares de Lima, caixa da loja.

Quando chegou à empresa, há cerca de um ano, diz Eva, havia seis ‘piloteiras’, pessoas especializadas em fazer peças-piloto das coleções. Agora, só tem uma. “A confecção reduziu muito. São cinco pessoas que cuidam da produção e uma que cuida do estoque”, diz Eva.


Prevendo que a crise seria intensa, alguns lojistas decidiram até “pular” a coleção de inverno. É o caso da Chadely, localizada na Rua dos Italianos. As prateleiras da loja já exibem regatas e outras peças leves para serem usadas no verão.

“Falta dinheiro para bancar a produção de peças mais pesadas, que são mais caras, por isso, muitas lojas produziram pouquíssimas roupas para o frio”, diz Stefanos, enquanto caminha e comenta as informações dos lojistas.

“Costumo comparar o setor de vestuário com o da agricultura. Há duas estações básicas, a do inverno e a do verão.  Às vezes, o inverno é curto, improvável”, diz.

TRADIÇÃO

Stefanos conta que o polo de confecção do Bom Retiro é um dos mais antigos do país e já foi palco de diversas gerações de empresários. Foi, inicialmente, reduto de empreendedores de italianos. Depois de judeus, gregos e agora está na fase dos coreanos, que dominam cerca de 60% dos pontos comerciais da região.

Há casos de coreanos que, com a crise, simplesmente fecham as portas e somem da região. Quando os negócios voltam a aquecer, eles voltam.

O empresário da região, segundo Stefanos, é considerado de porte médio. É aquele que possui uma pequena confecção e uma, duas ou três lojas no próprio bairro.

No passado, as confecções tinham mais funcionários e terceirizavam uma parte da produção. Atualmente, quase toda a produção é sub contratada, até porque as empresas não possuem capital suficiente para manter empregados fixos durante o ano todo.

“Há grandes organizações que são prestadoras de mão-de-obra. Para as confecções e para esses prestadores de serviços, há uma tremenda vantagem em trabalhar assim. Para nós é bom porque focamos no produto”, diz Stefanos.

“Se você tem uma empresa que vende calça, você vai contratar especialistas em calça, que possuem o maquinário completo para isso. Se você faz vestido de festa, vai chamar especialistas em vestido de festa. Para quem presta serviço também é bom porque essa empresa consegue produzir para vários clientes (confecções), não fica dependente de uma empresa só”, diz.

Uma curiosidade no bairro é que, apesar de haver pontos comerciais disponíveis acima do normal, os preços dos aluguéis praticamente não se alteraram, um sinal de que os donos dos imóveis ou das lojas consideram que este momento de crise pode ser passageiro.

Nas ruas Aimorés, Professor Lombroso e José Paulino, os aluguéis caíram cerca de 10% de um ano e meio para cá, assim como os valores dos pontos comerciais, negociados em dólares, que ficam na casa de US$ 300 mil a US$ 350 mil.

Nas ruas mais afastadas, onde estão mais concentradas as confecções, os aluguéis já caíram entre 15% e 20%, segundo informa a imobiliária Hai, que atua na região. Em algumas ruas, como a Júlio Conceição, também já não existe mais negociação de luvas para pontos comerciais.

“Os proprietários estão conscientes sobre a realidade do mercado e solidários com os seus inquilinos, que solicitam descontos para tentar permanecer com o seu negócio saudável. Melhor reduzir o preço do que ter o imóvel desocupado”, diz Adriana Weizmann, sócia da Hai. “O Bom Retiro continua sendo um bairro bem procurado por comerciantes e consumidores”, afirma.

Fonte: Sindivestuário - São Paulo